quinta-feira, 4 de outubro de 2007

E o Direito Comunitário? A Responsabilidade Civil por violação do Direito Comunitário

Ao folhear hoje o público fiquei de certa forma apreensivo com a forma como foi apresentada a notícia da alteração do PS ao regime de responsabilidade civil do Estado.

De acordo com o jornal Público de hoje, o PS terá sugerido eliminar, no nº 3 do artigo 15º, a expressão "de direito internacional ou de direito comunitário."


Por sua vez, o artigo 15º/nº3 rezava na redacção inicial:

"o Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormais que, para os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, resultem da omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais, de direito internacional ou de direito comunitário, ou normas contidas em acto legislativo de valor reforçado".


Por fim no final do artigo, é citada parte do discurso de Cavaco aquando do veto do diploma:

Cavaco Silva considerou "problemática e preocupante a solução acolhida quanto à responsabilidade por danos provocados, tanto por actos desconformes ao direito internacional e ao direito comunitário (artigo 15º, nº 1), como pela omissão das medidas legislativas necessárias para conferir exequibilidade a normas de convenções internacionais e normas comunitárias que delas careçam (artigo 15º, nº3) ".

Ora lido desta forma o artigo pode induzir em enorme erro o leitor, já que, a notícia
cria implicitamente um nexo entre a preocupação de Cavaco com a extensão da responsabilidade civil do Estado pela violação de direito comunitário e internacional e a alteração do PS propondo eliminar do diploma tais expressões como se tal limpeza significasse que o Estado não seria responsável nesses casos.

Contudo, e o erro reside aqui, o simples facto de se deixar de prever que o Estado é responsável pela violação dos referidos direitos não quer dizer que o Estado Português não o seja.

De facto, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça é lapidar a este respeito. A trilogia de casos: Francovich, Brasserie du Pecheur e Kobler afirmou que qualquer Estado Membro é responsável civilmente pela violação de normas comunitárias. Afirmou-se em Brasserie du Pecheur, que tal responsabilidade pode nascer da actuação de qualquer orgão dos EM e finalmente em Kobler, individualizou-se que a mesma responsabilidade civil do Estado pode derivar de errada interpretação do direito comunitário pelos tribunais superiores dos EM.

Ou seja, a jurisprudência comunitária é claríssima a este respeito: ACTUALMENTE os Estados Membros já respondem pela violação do direito comunitário e respectivos danos decorrentes de qualquer uma das suas funções (legislativa, executiva e judicial).

Ou seja, é certo que Portugal poderia optar por prever, ou não tal, responsabilidade civil do Estado num diploma legislativo "nacional"; o que quis esclarecer é que mesmo que prevaleça a alteração do PS no sentido da opinião de Cavaco Silva, tal não afectará o facto que Portugal já é civilmente responsável pela violação do referido direito. Em suma, não se pode com propriedade restringir (como parece no artigo e nas declarações do PR) a responsabilidade civil do estado português pelos danos de tais violações. Ela já existe e já nos vincula com ou sem nº 3 do artigo 15º. Claro, até que o Tribunal Europeu de Justiça altere a sua corrente jurisprudencial o que me parece improvável nos próximos anos.

G.


1 comentário:

Goncalo disse...

De referir que dadas a indeterminacao (a) da medida de "exigibilidade" e (b) dos proprios direitos "prima facie" cuja proteccao e exigida, esta aqui envolvida muita "discricionariedade". O mal, no entanto, e que nao me parece que os tribunais, pelo menos os portugueses, entendam isso. E la vamos nos ter paginas e paginas de decisoes (e fundamentacoes) judiciais obscuras...