quinta-feira, 4 de outubro de 2007

E o Direito Comunitário? A Responsabilidade Civil por violação do Direito Comunitário

Ao folhear hoje o público fiquei de certa forma apreensivo com a forma como foi apresentada a notícia da alteração do PS ao regime de responsabilidade civil do Estado.

De acordo com o jornal Público de hoje, o PS terá sugerido eliminar, no nº 3 do artigo 15º, a expressão "de direito internacional ou de direito comunitário."


Por sua vez, o artigo 15º/nº3 rezava na redacção inicial:

"o Estado e as regiões autónomas são civilmente responsáveis pelos danos anormais que, para os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, resultem da omissão de providências legislativas necessárias para tornar exequíveis normas constitucionais, de direito internacional ou de direito comunitário, ou normas contidas em acto legislativo de valor reforçado".


Por fim no final do artigo, é citada parte do discurso de Cavaco aquando do veto do diploma:

Cavaco Silva considerou "problemática e preocupante a solução acolhida quanto à responsabilidade por danos provocados, tanto por actos desconformes ao direito internacional e ao direito comunitário (artigo 15º, nº 1), como pela omissão das medidas legislativas necessárias para conferir exequibilidade a normas de convenções internacionais e normas comunitárias que delas careçam (artigo 15º, nº3) ".

Ora lido desta forma o artigo pode induzir em enorme erro o leitor, já que, a notícia
cria implicitamente um nexo entre a preocupação de Cavaco com a extensão da responsabilidade civil do Estado pela violação de direito comunitário e internacional e a alteração do PS propondo eliminar do diploma tais expressões como se tal limpeza significasse que o Estado não seria responsável nesses casos.

Contudo, e o erro reside aqui, o simples facto de se deixar de prever que o Estado é responsável pela violação dos referidos direitos não quer dizer que o Estado Português não o seja.

De facto, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Justiça é lapidar a este respeito. A trilogia de casos: Francovich, Brasserie du Pecheur e Kobler afirmou que qualquer Estado Membro é responsável civilmente pela violação de normas comunitárias. Afirmou-se em Brasserie du Pecheur, que tal responsabilidade pode nascer da actuação de qualquer orgão dos EM e finalmente em Kobler, individualizou-se que a mesma responsabilidade civil do Estado pode derivar de errada interpretação do direito comunitário pelos tribunais superiores dos EM.

Ou seja, a jurisprudência comunitária é claríssima a este respeito: ACTUALMENTE os Estados Membros já respondem pela violação do direito comunitário e respectivos danos decorrentes de qualquer uma das suas funções (legislativa, executiva e judicial).

Ou seja, é certo que Portugal poderia optar por prever, ou não tal, responsabilidade civil do Estado num diploma legislativo "nacional"; o que quis esclarecer é que mesmo que prevaleça a alteração do PS no sentido da opinião de Cavaco Silva, tal não afectará o facto que Portugal já é civilmente responsável pela violação do referido direito. Em suma, não se pode com propriedade restringir (como parece no artigo e nas declarações do PR) a responsabilidade civil do estado português pelos danos de tais violações. Ela já existe e já nos vincula com ou sem nº 3 do artigo 15º. Claro, até que o Tribunal Europeu de Justiça altere a sua corrente jurisprudencial o que me parece improvável nos próximos anos.

G.


segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Portugal tem falta de deputados...

Segundo um novo estudo publicado pelo CEPR (DP6417), Portugal deveria ter 247 a 248 deputados e não os 230 actuais, assim dizem E. Auriol e R. Gary-Bobo em On the Optimal Number of Representatives. O estudo tem em conta o total de deputados em países com duas câmaras. Assim, enquanto Portugal tem 230 deputados, a Espanha tem 605 (e deveria ter 414); a França tem 898 (deveria ter 546); a Itália tem 945 (570); a Alemanha tem 740 (661); o Reino Unido tem 651 (527); os Estados Unidos tem 537 (808); e a Holanda tem 225 (326).

Fica o abstract: "
We propose a normative theory of the number of representatives based on a stylized model of a representative democracy. We derive a simple formula, a "square-root theory" which gives the number of representatives in parliament as proportional to the square root of total population. Simple econometric tests of the formula on a sample of a 100 countries yield surprisingly good results. These results provide a benchmark for a discussion of the appropriateness of the number of representatives in some countries. It seems that the United States have too few representatives, while France and Italy have too many. The excess number of representatives matters: it is positively correlated with indicators of red tape, barriers to entrepreneurship and perceived corruption. "




quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Frases que merecem reflexão (I)

"Há 30 anos, quando se saía da Faculdade sabia-se tudo. Quando saíamos da Faculdade sabíamos o Código Civil, o Código Penal, o Código Administrativo… Estávamos preparados para enfrentar o mundo." (Professor Germano Marques da Silva, J Negócios, 1 Ago, via OA)

Pergunta: O que é que aconteceu nos últimos 30 anos?

sexta-feira, 20 de julho de 2007

domingo, 1 de julho de 2007

Agregação de Saldanha Sanchez

As seis bolas pretas na agregação de Saldanha Sanches tiveram bastante eco na blogosfera (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui). Duas notas sobre tudo o que se disse e escreveu:

1o) A agregação é uma prova sem nenhum sentido no mundo de hoje, uma importação francófona de outros tempos, que apenas serve para ajustes de contas e politiquice universitária (aliás a má qualidade das instituições académicas norte-americanas, inglesas e holandesas explica-se pela ausência desta prova pública; na verdade podemos dizer que olhando o mundo existe uma correlação negativa entre a qualidade académica e a existência deste tipo de provas públicas). Infelizmente o governo, no seu ímpeto reformista, em vez de eliminar a agregação, resolveu num recentíssimo decreto-lei manter quase tudo na mesma (excepto eliminar as bolas brancas e as bolas negras).

2o) Resulta curioso que os méritos ou deméritos quer do candidato, quer do júri são discutidos em função da exposição mediática, e não da obra científica. Em pleno 2007, muitos ainda não perceberam que os artigos de opinião no jornal ou a participação frequente em debates televisivos NÃO SÃO produção científica. A pergunta fica no ar: quantos dos ilustres académicos citados nos variados blogs têm trabalho científico reconhecido fora de Lisboa ou Coimbra? Recomendo pesquisar no google scholar os vários nomes mencionados!!

sábado, 30 de junho de 2007

LLM GUIDE

Continuando a linha dos últimos posts fica aqui também uma referência útil para quem estiver a pensar em fazer um LLM. Este site tem quase todos os que existem no mundo, bem como um forum (discussion board) ordenado por temas, cheio de informações úteis.

Além do mais a busca pode ser feita por continente, por país e cada LLM na base de dados contém um resumo do mesmo, a área e mais importante ainda um link à pagina do referido LLM.

Poupa dezenas de horas!

Aqui: http://www.llm-guide.com/

domingo, 17 de junho de 2007

Update Ranking SSRN (Junho 2007)

Ranking Law Schools (top 200 fora dos EUA) em Junho de 2007 segundo o SSRN (ainda nenhuma portuguesa consta):

1. Tilburg
2. Melbourne
3. Oxford
4. Sydney
5. Haifa
6. Toronto
7. Cambridge
8. Ghent
9. Max Planck Institute
10. Leuven
11. Amsterdam
12. Hebrew
13. Bologna
14. European University Institute
15. University College London
16. Bar-Ilan University
17. Radzyner School of Law
18. Genoa
19. Tel Aviv
20. Ottawa
...
58. São Paulo
...
101. FGV-Law
...
131. Universitat Pompeu Fabra
...
179. Burgos
183. Valladolid

sábado, 26 de maio de 2007

Direito e Economia no Brasil

Muito bom mesmo o arranque de Direita e Economia no Brasil. Até o nome de "Direito e Economia" é bem melhor que "Análise Económica do Direito" pois capta melhor a interdisciplinaridade e multidisciplinaridade do movimento. A renovação e a insatisfação intelectual com o status quo nas faculdade de Direito do Brasil é uma realidade. Coimbra e Lisboa são a referência, mas da velha e decadente escola. Harvard, Yale, Berkeley são a referência, mas da nova escola. Foi uma experiência inesquecível o debate (aqui & aqui & aqui) com os Ministros do STF. Faz inveja!

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Formações

Aqui, http://lsr.nellco.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1197&context=bc/bclsfp
pode encontrar-se uma leitura interessante do percurso de um título académico.

ABSTRACT:

The rise of the academic doctorate in law (a degree most U.S. scholars have either ignored or deprecated) is an important chapter in the story of law’s coming of age as an academic discipline in the first half of the 20th century. Drawing in part on continental European models, the architects of the degree shaped it into a vehicle for training a new class of law teachers, producing research into the nature and functioning of the legal system, and spreading emerging conceptions of law to a broader national audience. Notable among these conceptions were the “sociological jurisprudence” of Harvard’s Roscoe Pound and the Legal Realism of Columbia and Yale. This “missionary” function, however, was in tension with the implication of advanced scholarly work inherent in the degree’s name, and ultimately helped set the stage for the doctorate’s decline after World War II.

While today it is much more common for U.S. law teachers to have pursued doctoral study in a discipline other than law, a U.S. doctorate in law is an increasingly attractive credential for foreign-trained lawyers who hope to teach in their home countries. This article is the first installment of a larger study that traces how U.S. legal education borrowed practices from overseas to create the degree, digested and modified them to suit the needs of a rapidly evolving legal system, then redirected the flow of ideas elsewhere. As such, the study is a story of the coming of age of U.S. legal education not just at home, but on a world stage.

SUGGESTED CITATION:
Gail J. Hupper, "The Rise of an Academic Doctorate in Law: Origins Through World War II" (March 20, 2007). Boston College Law School. Boston College Law School Faculty Papers. Paper 196.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Escola de Método do Direito

Gonçalo (o sangue fica para mais tarde), Nuno et altri:

Aqui fica uma síntese do pensamento de Francesco Cavalla. Ele faz parte do Centro di Ricerche sulla Metodologia Giuridica:

"Dopo gli articoli comparsi su Acta Methologica, 1 (Milano, 2004) e su Ragionare in giudizio (Pisa, 2005), F.Cavalla ha pubblicato un ampio saggio che raccoglie in modo autonomo ed esaustivo i suoi precedenti lavori, in una forma che sta fra il trattato breve e il manuale d’uso. Il contributo è apparso recentemente su Retorica, processo, verità (Padova, Cedam, 2005). Ne descriviamo schematicamente il contenuto, offrendo una versione abbreviata del saggio di Cavalla scaricabile in formato .pdf

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Oltre al modo di organizzare il linguaggio artificiale tipico delle scienze formali (quali ad esempio la matematica), adatto a garantire la connessione logica fra le premesse del ragionamento e le sue conclusioni, esiste la possibilità di organizzare il linguaggio ordinario al fine di costruire ragionamenti dotati di rigore logico non minore. Parliamo del metodo noto come “retorico”, già illustrato da Aristotele, e approfondito da Cavalla secondo una prospettiva epistemologica e teorico-giuridica che si discosta dalle tesi di Perelman ed altri. Il metodo retorico, come generalmente si ammette, opera utilizzando premesse strutturalmente diverse da quelle delle scienze formali; nel suo caso non si tratta, infatti, di ipotesi ed assiomi, ma di “luoghi comuni”: proposizioni del linguaggio comune caratterizzate dalla frequenza con cui appaiono nei discorsi e dalla probabilità, intesa come condizione transitoria di proposizioni plausibili in attesa di accertamento. La prima fase dell’attività retorica (detta “topica”) consiste nella selezione di “luoghi” convenienti al tipo di situazione e di audience, i quali però siano anche sostenibili dal punto di vista logico (cioè tali da escludere significati diversi od opposti). La fase topica è perciò assistita da un controllo di identità e non contraddizione (detto “dialettico”), che rafforza la persuasività dell’argomentazione, sottraendola a una dimensione di irrazionalità suggestiva (accezione, quest’ultima, negativa della retorica). Attraverso l’uso di termini linguistici “vaghi” (cioè non univoci, se decontestualizzati) il retore può costruire definizioni sematicamente univoche, mediante la tecnica dell’“accumulo di proprietà”. A questo punto egli è pronto a misurarsi ulteriormente con i suoi interlocutori (poiché tale è la natura essenziale della retorica: la condizione di incessante confronto con altre ed opposte, per quanto in apparenza altrettanto plausibili, definizioni). Dovrà dunque predisporsi a superare quattro ostacoli fondamentali: l’indifferenza dell’uditorio ai suoi discorsi, il difetto di adeguate cognizioni per poterli comprendere, l’insufficienza della loro forza argomentativa rispetto alle possibili tesi avversarie, la mancata confutazione di quelle tesi. Il metodo retorico ha una risposta per ciascuna di queste eventualità, essendo contraddistinto (secondo Cicerone) da quattro generi complementari d’impiego: l’estetico, il didascalico, quello della motivazione e quello confutatorio (nel quale è largamente impiegato il “sillogismo dialettico”). Così costituite le premesse (o “luoghi”) del suo ragionamento, il retore procede alla deduzione delle conclusioni, secondo la formula «Se A, allora b». Tale fase è detta “entimematica”. Le conclusioni retoriche così ottenute sono certamente (accertatamente) vere, in quanto inconfutabili. Il retore ha infatti dimostrato che conclusioni diverse da b sarebbero logicamente contraddittorie con le premesse in A. Tale verità è detta “istantanea” in quanto vale in quel momento e in quella circostanza. Infatti, in un diverso contesto, è sempre aperta la possibilità che si producano nuove opposizioni, le quali costringeranno il retore a un opportuno riesame delle sue argomentazioni (“trovando” nuovi A e deducendo nuovi b). Ma sarebbe «certamente erroneo respingere una conclusione retorica sul presupposto che “tanto, potrebbe essere diversamente”; finché questo “diversamente” non prende le forme di una opposizione articolata, non vale certo a togliere dall’arbitrio e dall’errore l’eventuale rifiuto di un discorso motivato» (Cavalla). La conclusione retorica gode di una verità che, in quanto concreta, sta costantemente “sulla soglia” tra passato e futuro, diversamente dalle verità rigide ed astratte dei discorsi formalizzati, le quali possono essere (come le dimostrazioni geometriche) ripetute all’infinito in modo sempre uguale. Tale ripetibilità compete infatti a ciò che, in quanto astratto (come ad esempio i triangoli o le circonferenze), propriamente non “accade” mai. Il metodo retorico riguarda, invece, l’esistenza nel suo concreto accadere, essendo “razionalità pratica” capace di assicurare ai discorsi una persuasività fondata sulla logica. [Sintesi redazionale di M.Manzin]

In allegato un ampio compendio dell’articolo di F.Cavalla"

http://www.cermeg.it/2006/01/11/francesco-cavalla-metodo-retorico-e-ricerca-della-verita/

Neste link, no final da página existe um ficheiro PDF de 33 páginas com um resumo mais completo do pensamento do autor.

Critérios

No debate entre o Guilherme e o Gonçalo, existem algumas questões que me parecem muito relevantes. Evidentemente que temos de evitar idealizar um modelo frente a outro. A riqueza da Europa no pensamente jurídico moderno é inegável como o é a norte-americana (infelizmente aqui apenas resta lamentar o caso português, mas até aí podemos argumentar que pobreza que sofremos no Direito português não é substantivamente mais medíocre do que aquela que sofremos nas ciências sociais, na cultura ou na arte em geral).

Existem contudo duas observações importantes. Algumas inovações importantes no estudo do Direito ocorreram curiosamente mais ou menos ao mesmo tempo num e noutro lado do Atlântico, o Law and Economics e o Droit Economique, os Critical Legal Studies (US) ou Socio-Legal Studies (UK) e a Sociologie du Droit. E contudo hoje as inovações anglo-saxónicas são florescentes enquanto as suas congéneres europeias estão quase defuntas. Parece-me que existem duas razões importantes para isso.

A primeira, mais óbvia, é que a metodologia subjacente à inovação anglo-saxónica (no caso da L&Econ, o individualismo metodológico) está mais próxima do modelo económico e social que hoje vivemos do que a metodologia de origem francesa (no caso do DE, a superioridade da intervenção do Estado na economia). Não necessáriamente por mérito da inovação que veio dos EUA, o facto é que ela se encaixa melhor com o mundo de hoje em que necessariamente se insere o Direito.

A segunda, menos óbvia, é o formalismo prevalecente no pensamento jurídico continental (onde ainda hoje quem defende o functionalism do Direito em geral é visto como uma peça rara). Esse formalismo salvou Direito e os catedráticos do Direito das depurações decorrentes das mudanças de regime, nem sempre democráticas, que ocorreram no continente mas não no mundo anglo-saxónico. O formalismo foi pois uma boa estratégia de sobrevivência, mas reduziu a capacidade de inovação a longo prazo.

É que, meus caros, eu na Europa não vejo Ciência do Direito em geral, mas muito formalismo. A atração pelo mundo anglo-saxónico advém do facto do Direito aí ser realmente uma ciência social, em que as escolas de Direito são departamentos de ciências sociais. E, como assinala o Gonçalo e muito bem, não há nenhuma pensamento monolítico (até existem formalistas). Não vejo isso no continente, não encontro nem sequer uma vintena de escolas de Ciência do Direito na Europa (nem preciso de rankings para isso). E as ilhas de excelência que conheço apenas confirmam isso mesmo, que são ilhas num mar de formalismo.

"Loading my guns"

Gonçalo:

Devo dizer que rezava para que fosses tu a responder ao meu post. Na realidade verificou-se o que temia. A boca secou, uma onda de suor frio perpassou-me as costas. Sinto-me o Rei Leónidas e os seus bravos 300 contra o malvado Xerxes.
Basicamente acho que tens razão em quase tudo! Sei-o! Já o sabia :)

Porque o que tentei transmitir é que valorizo sempre o pensamento independente, que sim, pode impedir que saiamos lá para fora (ponto1)

Porque o que tentei transmitir é que apesar das vantagens do critério "publicações", continuo a acreditar na síntese "Biblioclasmo". Julgo que o conhecimento se deve valorizar por si, aliás como toda a vida, não em função de rankings que "enjoam", que como o mundo adulto retira a piada de se viver inconscientemente (piedade!!).

Porque o que tentei transmitir não tem reflexo visível, mas tem por nome cultura, que nem seque sei definir mas sinto que me corre nas veias.

Porque o que tentei transmitir é que muitos trabalhos na língua inglesa que tenho lido recentemente medem o mundo pelo que se escreve em inglês. Sobretudo o que me pisa a alma e me faz sorrir é o facto de se achar que não pode haver surpresas neste velho mundo inquinado europeu. Por exemplo uma delas é aquela escola de Filosofia do Direito de Pádua de que falámos já muito atrás. Como se pode dizer que não se inova e não se pensa se não se conhece? Quanto ao restante ponto tens toda a razão. Lembro-me de como os nossos professores se congratulavam por terem incluído um manual inglês na bibliografia...

O absurdo da minha discussão com o Richard não posso comentar. Conheço mal as referências que usaste à excepção do Holmes, que também não conheço bem.

Porque o que tentei transmitir foi precisamente como fazer comentários como "os europeus não percebem L&E, CLS e Direitos"? Não é que não tenhas razão, mas será que precisamente pela falta desses rótulos sonantes não te estão a escapar movimentos pouco visíveis? Até porque apesar de não gostar do Habermas sempre se tem escrito alguma coisa sobre ele...Será que o que discutimos não tem a ver com o facto da cultura americana jurídica ditar as grandes escolas e os europeus um pouco como a arte contemporânea se dividirem em milhares de facções e nenhuma ao mesmo tempo?

Porque o que tentei transmitir é que os rankings e o inglês não capturam o mundo e a cultura implícita neste argumento julgo só os europeus orgulhosos a percebem na totalidade.

Porque o que tentei transmitir reside no facto de: e se alguém leu Sartre e aplicou ao mundo jurídico e o ensinou nas aulas e não o escreveu, qual o problema?

Porque o que tentei demonstrar é que o "espírito sexy" é demasiado show e pouco conteúdo, de outra forma demasiado do nosso tempo, aliás em Portugal a Superbock passou a uma imagem mais sexy com o Pires de Lima.

Porque finalmente o que tentei demonstrar e percebeste (teria a certeza que o perceberias - tantos mimos) é que provincianismo não, mas estrangeirado também não. As críticas não eram objectivas, mas subjectivas, muito mais ao espírito que ressoa do mundo da investigação "americano" do que às suas instituições concretas.

Portanto o alvo não está à superfície.




Diatribe ao Guilherme "Dandy" Vilaca

Meu caro

Nao vou defender a ideia absurda de que o direito, ou o pensamento juridico, Americano (ou anglo-americano?) -- se a esse te referes -- sao intrinsecamente melhores do que os homologos continentais. As analises “intrinsecas” sao aqui, como de resto em muito outros lugares, absolutamente inuteis e fraudulentas. Tenho uma admiracao profunda pela cultura juridica continental, apesar de ser a mesma que tenho pela arte classica – comove-me a grandiosidade mas fico angustiado com a pobreza existencial e a falsidade artistica. E acima de tudo fico deprimido com a pobreza tardo-classica, descontando as excepcoes isoladas e fazendo a venia educada as eminencias pardas, etc. De resto, duvido que muitos a tomem tao a serio quanto eu – quem e que leu os classicos? (Do direito, claro, porque juristas a ler filosofia so na penumbra e termina tudo em "metodonomologias", seguramente excelentes, mas que sao um desafio maior que Lacan e desencorajam os sobreviventes)

Nao sou, ao contrario, por exemplo, do Nuno, um utilitarista (embora me reveja na epistemologia pragmatista e seja todo a favor do corte fenomenologico de Bachelard e Husserl e... Sartre!). Podemos portanto deixar o tema utilitarismo/deotologismo (ou "conceptualismo" ou que seja) em suspenso. Mas acho que a tua descricao do estado de coisas, no velho continente, ja para nao falar de Portugal, deixa muito a desejar. Respondo a tua polemica, intencional – “irei ser atacado, sei-o” -- com mais polemica.

Permite-me que, num gesto bem continental, refira alguns topicos que enfraquecem, julgo, o unilateralismo dos teus energicos comentarios.

Antes, porem, “cards on the table”: E verdade que muitos professores de direito Americanos sao quase chauvinistas e, com a excepcao geral dos comparatistas ou dos com tendencias cosmopolitas, tem um preconceito ignorante contra os estrangeiros. Ate verem provas de qualidade sao cepticos. Limitam-se, devo dizer-te, a imitar os Europeus desde meados do Sec. XIX ate meados do Sec. XX, quando a crise do direito continental e do pensamento juridico “dogmatico” rebentou. E mesmo hoje sinto que ha na Europa uma rejeicao primaria do pensamento juridico anglo-americano, especialmente da parte dos alemaes. Os alunos alemaes, tanto quanto me e dado ver, nao sao particularmente bem-sucedidos quando vem estudar direito para a America porque tem um preconceito primario contra qualquer demonstracao de que o segundo capitulo do Sistema de Direito Romano Moderno do veneravel Savigny – que muito poucos leram, diga-se – contem algumas afirmacoes que ja na epoca eram ridiculas e hoje rocam o obsceno quando reproduzidas. Em geral, no entanto, os juristas estrangeiros tem mais dificuldade de acesso do que os americanos. Nesse aspecto, o direito difere de outras disciplinas onde a internacionalizacao e plena.

Voltando ao nosso tema. Algumas notas, em esforco de “retorizacao” do teu discurso unilateral:

1) “Ora, não tenho qualquer dúvida que o sucesso lá fora, o devemos em parte, também ao nosso sistema ainda que atrasado.”

Falso. Claro que ha (alguns, poucos) bons professores e (alguns, poucos) bons livros e artigos nas faculdades de direito portuguesas. Mas sao excepcoes, invariavelmente produzidas por lutas quixoticas contra a apatia e a indiferenca da "audiencia". Quem se quiser safar fora, a nao ser que estejemos a falar da Albania, so tem duas hipoteses: (a) concentrar-se num nicho metodologico ou um dominio restrito de estudos mais ou menos virgem e assumir o papel de tecnocrata-mor na especialidade; ou (b) trilhar o caminho obscuro do auto-ditatismo e da rebeliao, lutando ainda contra a ameaca da indisciplina e da superficialidade -- uma opcao arriscada. A escolha e entre alienacao brutal ou risco brutal. Tertium non datur.

2) “Quando se diz que por vezes alguns juristas não dominam outras áreas (concordo) poder-se-ia dizer também que muitos investigadores também não consideram importante dominar outras línguas em que são escritos trabalhos da sua área de especialidade.”

Sao muitos os juristas academicos que leem soretudo em Ingles? Claro que nao. Mesmo que queiram, o “sistema” e dominado pelo alemao. Nao que eu seja contra o alemao – nada disso – mas o teu comentario deixa-me perplexo. Sao muitos os que em Portugal estudam, ou sequer leem, a literatura juridica anglo-americana?! O “realismo juridico americano”, de que falas e a que voltarei, e bem conhecido exactamente por quem? (Como sabes, realismo juridico nao quer dizer que “o que os juizes fazem e o direito” – essa e uma das dimensoes e a menos sofisticada e interessante). E a boa das verdades e que se ha problema em Portugal e que as pessoas “cortam e colam” o que esta noutros livros, particularmente tratados e manuais estrangeiros. O numero de juristas portugueses com uma unha negra de originalidade e confrangedor.

3) “Lembro-me de uma discussão que tive com o Richard em que ambos parecíamos admitir que afinal o "legal realism" nascera na Alemanha, com a escola do Direito Livre, importado para os EUA após uma visita de Karl Llewellyn à Alemanha.”

Salvo o respeito devido ao Richard, com quem me correpondi, isso e absurdo. Demonstra que ele nao compreendeu bem o pensamento juridico continental e a Escola do Direito Livre (que, em todo o caso, foi um episodio marginal na Historia da cultura juridica continental). Nao e surpreendente, mesmo sendo ele um distinto comparatista: para nos tambem e dificil interiorizar o modo de pensar o direito americano. Mas falemos sobre o realismo. O Kantorowitcz – nao o Isaay – publicou dois artigos no Yale Law Journal, que poucos leram, rejeitando categoricamente o realismo juridico e demarcando bem a Escola do Direito Livre das "aventuras politicas irracionais" dos realistas. O artigo crucial chama-se “Some Rationalism about Realism”! Nao tenho aqui espaco para explicar o realismo juridico americano como deve ser, mas asseguro-te que tem muito pouco em comum com a EDL. O realismo influenciou profundamente a cultura juridica americana (nao a britanica). Quando o Llewellyn visitou a Alemanha ja o realismo americano estava em andamento, com Holmes e – muito especialmente – Hohfeld. O brilhante artigo de Hohfeld “Fundamental Legal Conceptions (...)” e essencial para compreender o realismo e a sua ligacao com a Economia Institucional de Commons e Hale. A situacao actual do pensamento juridico caracteriza-se pelo pos-realismo e a razao principal, na minha opiniao, para o enorme dominio e prestigio do direito americano tem que ver com o facto da Europa desconhecer o realismo! (Nota: O realismo escandinavo nada tem que ver com isto; tratou-se de uma escola "realista" nos sentidos filosoficos de "positivista" e "empiricista"). E tambem por isso que os Europeus em geral nao entendem bem nenhum dos tres grandes movimentos de ideias na cultura juridica americana contemporanea: o discurso sobre "direitos" (ex: Dworkin), a analise economica do direito (ex: Posner) e os critical legal studies (ex: Kennedy).

4) “tempos da Sorbonne e do Sartre em que nem tudo o que se pensava tinha que sair numa revista”

E quem leu Sartre – e "aplicou-o" ao pensamento juridico – em Portugal? Em Paris le-se Sartre, pois claro (o contrario seria o mesmo do que em Harvard nao se ler Rawls), mas e em Portugal ou Espanha? Alguem em Portugal escreveu sobre a psicologia e a fenomenologia do julgamento juridico em termos da ideia de ma-fe desenvolvida por Sarte em “O Ser e o Nada”? Alguem escreveu sobre a ruptura fenomenologica e a apropriacao Sartreana da “Epoche” de Husserl? E o debate Levi-Strauss/Sartre sobre a questao da subjectividade? MAIS: Alguem usa com rigor a palavra existencialismo (com a excepcao da teoria da culpa de Figueiredo Dias, embora seja mais na linha de Jaspers) ou estruturalismo (com a excepcao da historiografia juridica do Hespanha)? Claro que ate pode ser o caso de que nada disso interessa a juristas quae juristas. Tu, no entanto, sugeres que sim, que interessa.

5) “Em suma, eu gosto do intelectual diletante e dandy, com todos os vícios inerentes mas com toda a sua piada”

E entao? Meio a brincar/meio a serio (mais a serio que a brincar), sou todo pelo espirito diletante, Grunge Rock, levar o anarquismo a serio, descofiar da disciplina (sem rejeita-la totalmente), libertacao da ironia e do paradoxo, anti-formalismo, etc, etc... mas que tem isso que ver com o resto? O espirito juridico reinante no continente e tudo menos “modernista”... domina o formalismo. Nada excitante, nada frenetico, nada "sexy"! A nao ser que por dandy te refiras a falta de honestidade intelectual – nao confundir honestidade intelectual com monismo metodologico – e tolerancia total para com a mediocridade. Duvido, mas entao nao sei como interpretar o teu "Shtick". Mas vou tentar.
Shtick. O teu texto flutua entra um apelo romantico as "velhas tradicoes" (lembra o preambulo da Constituicao de 1822), um superficialismo sentimental militante (o "dandy") e uma angustia modernista com o futuro e as contradicoes (o diletante contra o sistema). Em que e que ficamos? Ou a contradicao e para ficar, para valer? Ou sera que o teu ponto, encoberto numa neblina de idiossincrasias (sem criticas: aprovo), e contra o nosso eterno dilema entre dois pessimos: o provinviano e o estrangeirado?

A este proposito, tenho de reconhecer, com o sinistro prazer suportado por uma restia de provincianismo, que ha muitos aspectos em que o "sistema" americano e muito mau. Mas nao me parece que tenhas tocado em nenhuma das feridas e portanto senti liberdade para atacar incondionalmente, desproporcionalmente, o teu discurso. Espero ansiosamente uma reaccao: irei ser replicado, sei-o :)

"Load up on guns
Bring your friends
(...)"

Abraco,
Goncalo.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Critérios

Direito é sem dúvida um mundo à parte! Aliás, Direito não casa com "Investigação", já que se contam pelos dedos da mão os elementos das faculdades de Direito que são apresentados como investigadores. Continuando a peregrinação, atrever-me-ia a avançar a ideia que "inovação" também não casa com Direito, não por que esta não exista, mas porque é dificilmente reconhecida. Direito também casa mal com "renovação", a avaliar pelos apelidos que povoam as nossas faculdades, sobretudo as que empregam "assistentes estagiários".

Mas também nem tudo é mau! Por exemplo, não embalo na crítica fácil que nos EUA, e Reino Unido os professores são necessariamente melhores, ou que por cá, e Itália ou França se não faça nada no que toca ao desenvolvimento da ciência do Direito. É verdade que muitas vezes o que se faz, não se transmite, e que a comunicação é um dos valores de hoje em dia. É verdade que muito do que se escreve, é escrito na língua mãe e não em Inglês, mas uma vez mais não se pode julgar o mundo pelo inglês. Não se pode e ponto! Porque quem quer estudar os clássicos estuda grego, latim e assim em diante.

Até porque sob pena dos portugueses que se dão bem lá fora terem que ser génios por definição, as nossas faculdades têm que contribuir em alguma medida para o seu sucesso, e isto, desculpem-me, ninguém diz. Ora, não tenho qualquer dúvida que o sucesso lá fora, o devemos em parte, também ao nosso sistema ainda que atrasado.

Recentemente um espanhol lançou uma tese polémica,
BIBLIOCLASMO, livro do maior interesse que se resume à tese que "nunca se escreveu tanto e nunca se disse tão pouco". Ora, com o devido respeito pela investigação em língua inglesa, será bom de se dizer que, como reconhecia o Professor Richard Hyland (Distinguished Law Professor, Rutgers Academy) quando esteve na FDUNL - 2006, 80% é sem dúvida lixo. E isto é esquecido também por quem apregoa a investigação internacional. Investigação essa, muitas vezes assente no modelo "paper" de 20-30 páginas, lembra os estudantes de Belas - Artes que por falta de conhecimento da História julgam ter descoberto todos os estilos que afinal já existem. Afinal de contas, exagerada pressão para publicar e pouco tempo e leitura de fontes apenas em inglês contribui sobremaneira para a redução do "Mundo" a um "estado". Quando se diz que por vezes alguns juristas não dominam outras áreas (concordo) poder-se-ia dizer também que muitos investigadores também não consideram importante dominar outras línguas em que são escritos trabalhos da sua área de especialidade. Talvez assim se acabasse com a filosofia que tudo é inovação, presente na estrutura de muitos papers (formalmente é quase preciso identificar-se o contributo à disciplina). Lembro-me de uma discussão que tive com o Richard em que ambos parecíamos admitir que afinal o "legal realism" nascera na Alemanha, com a escola do Direito Livre, importado para os EUA após uma visita de Karl Llewellyn à Alemanha. Mas quem perde tempo a ler Isaay? Ou quantos trabalhos são feitos analisando-se a Enciclopedia of Comparative Law, sem se ler as normas no original ou qualquer tratado na língua relevante sobre o tema? Não digo que seja sempre necessário, mas é também esse o papel do investigador. Obviamente , um papel que exige mais tempo do que aquele que hoje é concedido.

Esta é a minha costela europeia, que demonstro orgulhoso e saudoso (irei ser atacado, sei-o) dos tempos da Sorbonne e do Sartre em que nem tudo o que se pensava tinha que sair numa revista... Reconheço as limitações do modelo...reconheço que talvez produza alunos excepcionais, mas não um nível geral muito alto, reconheço que encrave a inovação (mas o que é a originalidade? diria Borges, e o que o Homem leu!!!) e encrava, é um facto. Basta olhar para qualquer escrito sobre o Direito, especialmente a nível argumentativo continuamos à espera que a lei mude para dispormos de novos argumentos. Haverá porventura mais defeitos a apontar, mais até do que aqueles a apontar às faculdades do mundo desenvolvido, mas o pluralismo só será atingido (como dizia a Cláudia) se os nossos ficarem cá também, se soubermos aproveitar os pensadores que temos e não deixarmos fazer de Portugal um "liceu", que nalguns comentários pós-Bolonha foi já confirmado.

Em suma, eu gosto do intelectual diletante e dandy, com todos os vícios inerentes mas com toda a sua piada. Serve este post para tentar evitar um "modelo único" que esqueça quem somos, mas também para reconhecer que precisamos de ser mais!

Guilherme

segunda-feira, 16 de abril de 2007

O projecto de internacionalização das nossas universidades

Na semana passada, o Ministro Mariano Gago contentava-se publicamente com o aumento do número de publicações de investigadores nacionais em jornais científicos internacionais. Faz parte dos objectivos do governo no âmbito da política da educação a melhoria da qualidade do ensino superior, num esforço de o credibilizar, prevendo-se acordos com reputadas instituições internacionais, que devem o seu prestígio à qualidade da investigação que fazem e que depois se reflecte na qualidade do ensino que prestam. A OCDE recomenda avaliações às instituições de ensino superior nacionais a realizar por júris internacionais. Avaliações essas que lá fora incluem nos seus critérios de apreciação, entre outros, os CV dos docentes e a participação em projectos internacionais.

Com base nestes dados, concluiria que há que apostar fortemente na qualidade e internacionalização do capital humano das nossas universidades. Dar condições aos que maior capacidade demonstram para investigar e leccionar, em especial aos que têm visto essa qualidade reconhecida a nível internacional. Além de que me parece mais óbvio, por ter uma maior probabilidade de sucesso, um esforço de aproveitamento dos recursos que já temos, que já estão inseridos nas nossas instituições, do que andar a implementar políticas de 'atracção de cérebros'. Políticas essas que me parecem extremamente relevantes para introduzir sementes de mudança de mentalidades no sistema, mas que se me apresentam como inconsequentes e ilógicas quando se ignora a potencialidade dos recursos endógenos.

Mas estou errada no meu raciocínio. De outro modo, não seria possível justificar que, não existindo em Portugal um centro de investigação de reputação internacional na área do Direito (quando refiro 'internacional' tomo como referência a Europa e os EUA, e não África e a América do Sul), se tenham desaproveitado as pessoas que, ensinando cá, mais prestígio têm lá fora. Aquelas que por serem frequentemente convidadas para leccionar em universidades de topo e terem presença assídua em fóruns de investigação com excelência reconhecida poderiam ser os elementos dinamizadores da mudança que por cá se apregoa. Nalguns casos saíram (e estão a sair!) e não se vislumbra um regresso. Nos poucos casos que regressaram e ficaram não lhes foi dado lugar nas faculdades de Direito.

Serão os acordos com as tais reputadas instituições internacionais destinados a sub-contratar a investigação, ficando as universidades portuguesas com o mero papel de 'liceus do ensino superior'? Ou Direito é um mundo à parte porque o legislador comunitário e os mercados financeiros internacionais, inter alia, são apenas mitos?

Analisando a evolução do número de estudantes portugueses que, ao longo dos últimos cinco anos, têm procurado universidades estrangeiras para concluir graus de formação a níveis cada vez mais básicos (já não estamos a falar de doutoramentos, mas de licenciaturas!) e a preferência que é dada pelos grandes escritórios de advocacia nacionais a esses em detrimento daqueles que fizeram toda a sua formação cá, não parece que se possa continuar a ignorar a forma como a facilidade de circulação e o reconhecimento internacional dos graus académicos já está a afectar a mobilidade de recursos, com os estudantes a ser atraídos para os centros de excelência internacionais.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Devem os Juizes ter em conta a rejeição da opinião pública às suas sentenças?

Não será que a forma como a opinião pública mostra a sua rejeição às sentenças judiciais limita a independência do poder judicial? Interessante artigo de Cass Sunstein, de Chicago. Na verdade, se existe um bias sistemático da opinião pública, uma perspectiva consequentalista que tenha em conta esse sentimento de rejeição poderá gerar um impacto excessivo na aplicação da lei.
O abstract:

At first glance, it is puzzling to suggest that courts should care whether the public would be outraged by their decisions; judicial anticipation of public outrage and its effects seems incompatible with judicial independence. Nonetheless, judges might be affected by the prospect of outrage for both consequentialist and epistemic reasons. If a judicial ruling would undermine the cause it is meant to promote or impose serious social harms, judges have reason to hesitate on consequentialist grounds. The prospect of public outrage might also suggest that the Court's ruling would be incorrect on the merits; if most people disagree with the Court's decision, perhaps the Court is wrong. Those who adopt a method on consequentialist grounds are more likely to want to consider outrage than are those who adopt an interpretive method on nonconsequentialist grounds (including some originalists). The epistemic argument for attention to outrage is greatly weakened if people suffer from a systematic bias or if the public view is a product of an informational, moral, or legal cascade. There is also a strong argument for banning consideration of the effects of public outrage on rule-consequentialist grounds. Judges might be poorly suited to make the relevant inquiries, and consideration of outrage might produce undue timidity. These points have general implications for those who favor popular constitutionalism, or judicial restraint, on democratic grounds. An understanding of the consequentialist and epistemic grounds for judicial attention to public outrage also offers lessons for the decisions of other public officials, including presidents, governors, and mayors, who might be inclined to make decisions that will produce public outrage.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

O copianço

Um texto interessante de Ricardo Reis sobre qual é o papel do "copianço" se os objectivos principais dos exames são incentivar o estudo e permitir aos alunos sinalizar o seu valor.

Porque há exames na faculdade?
O principal objectivo do professor é que os alunos aumentem os seus conhecimentos. Como também é este o objectivo dos alunos, não deveria ser preciso perder tempo em exames. No entanto, se os alunos, jovens, têm dificuldade em comprometer-se a estudar, porque não conseguem resistir a outras tentações como ir para a praia ou namorar, então a possibilidade de reprovar um exame cria um custo em não estudar. Para evitar este custo, os alunos não cedem às tentações e fazem aquilo que realmente desejam, estudar.
É preciso também dar um inventivo ao professor. É que, no dia do exame, a melhor coisa que o professor pode fazer é entrar na sala e anunciar que o exame está cancelado. Por essa altura, já ninguém vai estudar mais ou menos, e assim evita-se o desperdício de fazer e corrigir exames. O problema é que os alunos antecipam este comportamento e percebem que não vai haver exame. Por isso, não estudam e acabamos todos pior. As universidades arranjaram um mecanismo para corrigir este problema: obrigam todos os professores a fazerem exames e proíbem-nos de os cancelarem.
Existe uma segunda razão para ter exames. A sociedade pede às universidades que sinalizem os alunos que são mais trabalhadores, inteligentes e esforçados. Esta informação é muito valiosa para os futuros empregadores, que assim evitam os enormes custos em avaliar cada candidato a emprego. Para responder a este pedido, as universidades criam obstáculos para os alunos ultrapassarem na forma de exames. Uma licenciatura passa assim a ser um certificado que o aluno passou esses obstáculos, e a média final um sinal mais preciso das dificuldades que teve.

Qual é o papel do "copianço"?
Se os dois objectivos principais dos exames são incentivar o estudo e permitir aos alunos sinalizarem o seu valor, qual é o papel do "copianço"?
Se o aluno sabe que, com uma probabilidade positiva, pode copiar sem ser apanhado, então não vai resistir a esta tentação assim como não resistia a ir à praia ou namorar, pelo que deixa de estudar. Por sua vez, se o mercado de trabalho sabe que os alunos copiam, então a licenciatura ou média de curso perdem valor como sinal, porque deixam de distinguir entre os bons alunos e os alunos que copiam bem.
Copiar ataca na raiz as duas funções dos exames. Daí o esforço das universidades em combatê-lo.
Os únicos beneficiados do estado de "copianço" são os alunos que não têm como objectivo aprender, e os alunos que se apercebem que a universidade vai sinalizar o seu baixo valor pelo que preferem eliminar o sinal na esperança de serem confundidos com outros de maior valor.

Regulação do copianço
Na minha vida, passei por três sistemas de ensino.
Em muitas universidades portuguesas, muitos copiam abertamente e quem não ajuda no acto de copiar é visto como mau colega. As regras das universidades tornam difícil condenar um aluno apanhado a copiar e as punições são leves. Em Inglaterra, nas universidades que conheço, os exames têm muitos vigilantes e regras rígidas. O sistema de exames é custoso (e por isso os exames raros) mas é muito difícil copiar. Nas universidades de topo nos EUA, em contrapartida, a vigilância é baixa.
Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa–pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão.

Estas diferenças entre sistemas de combate ao "copianço" capturam diferentes atitudes perante a regulamentação:
(1) não regular e tolerar a ineficiência do mercado;
(2) regular de uma forma severa mas com grandes custos de implementação; ou
(3) deixar o mercado auto-regular-se mas punir severamente os poucos incidentes.
Nos mais diversos domínios, da justiça, à fiscalização, ou à regulação da economia, as sociedades escolhem entre estas três abordagens.

domingo, 1 de abril de 2007

Estudar Richard Posner

Segundo reputados especialistas portugueses, o juiz federal Richard Posner é um tal economista que mantém um blog com Gary Becker!! Se assim andamos entre os economistas não pode surpreender que a AED não entre em Portugal...

quinta-feira, 29 de março de 2007

Publicidade Académica em Proveito Próprio

Está finalmente publicado no Journal of Empirical Legal Studies o artigo em que, com a Clarisse Coelho, estimamos que as reformas do regime jurídico do divórcio nos anos 90 tiveram um impacto muito residual na taxa de divórcio bem ao contrário do que por aí se lê.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Racionalidade(s)

Uma sugestão de leitura IMPERDÍVEL!:

Aaron S. Haas, "The Rationality of Law Students' Career Choices" (December 6, 2006). Harvard Law School. Harvard Law School Student Scholarship Series. Paper 8.
http://lsr.nellco.org/harvard/students/papers/8

ABSTRACT:

Two of the major problems confronting the legal profession today are increasing rates of job dissatisfaction and the persistent problem of encouraging lawyers to work in public interest settings. These two problems are actually connected in an important way. Researchers have found that lawyers earning the highest salaries, typically in large law firms, are also the most dissatisfied with their profession, while lawyers working for government agencies, public interest organizations, and educational institutions are among the most satisfied. In other words, encouraging more law students to enter public service law could address both the problem of unhappiness in the profession and the underrepresentation of disadvantaged people with legal needs. Indeed, by reconnecting the legal profession with the notion of service to society, a professional ethic that seems to have disappeared in recent decades, we may be able to improve the profession more broadly for its own sake and for the positive impact it can and should have on society at large.

In this essay, I examine why and how so many law students who have no intention of working at a firm or are interested in public interest as they begin law school end up accepting offers from large firms upon graduation. To address this paradox, we must understand the logical processes law students use in making their career decisions, and how these process may be flawed or biased. Recent findings in behavioral economics, which show the limits of rationality, shed light on this question. In particular, behavioral economics shows us that people have bounded willpower, bounded rationality and bounded self-interest, which all serve to encourage behavior which is not strictly self-interest maximizing, as that concept is understood in traditional economics.

In this article, I argue that law students have shown bounded willpower, bounded rationality and bounded self-interest in this context. I divide this essay into three parts. In the first part, I address this question by looking at the bounded willpower, bounded rationality, and bounded self-interest of law school students. In the second part, I look at the effectiveness, or lack thereof, of different ways law schools have responded to the limited rationality shown by students, in particular public interest requirements and loan forgiveness plans. In the final part, I make suggestions for ways of addressing this issue, in light of the lessons learned from the first two parts.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Direito e os Projectos FCT

Encontram-se já publicados os projectos FCT 2006 em Direito. São catorze desta vez, mais dez que em 2004, mas muito longe das largas dezenas e centenas das outras ciências sociais. Algumas notas muito curiosas: (i) Ausência da FD da Universidade de Lisboa, (ii) Ausência dos grandes professores do Direito Português (diga-se em abono da verdade que o mesmo se passa em Economia e Gestão, em contraste com as ciências exactas por exemplo), (iii) Muitos não-juristas (note-se contudo que a aproximação das ciências sociais ao Direito faz-se desde fora das faculdades de Direito), e (iv) um projecto que tem como investigador responsável (25% do seu tempo) o actual VP do Tribunal Constitucional (e segundo a comunicação social em breve Presidente do mesmo) demonstrando que se pode ser investigador e magistrado constitucional a tempo inteiro ao mesmo tempo!!

Direito, Políticas Públicas e Interdisciplinariedade

Na linha do que foi escrito recentemente neste blog, apresento uma sugestão de leitura de introdução a algumas das técnicas e modelos de pensamento necessários aos juristas de hoje. Técnicas essas que ajudam a entender o Direito como área das Políticas Públicas.
O número 42/43 - bilingue - ( Janeiro-Junho 2006) da Revista Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação, é inteiramente dedicado às Actas da Conferência sobre Avaliação Legislativa, ocorrida em Lisboa, 24/ 25 de Janeiro de 2005. O impressionante reside no facto desta conferência ter contado com a presença de reputadíssimos especialistas e ter merecido zero grau de atenção. Felizmente esta publicação permitirá fornecer uma óptima introdução a todos aqueles que quiserem uma síntese dos óculos da visão económica do Direito. Contribuirá certamente para dar razão ao Gonçalo no preciso sentido em que "a cada direito, a sua acção" acaba por ser uma tautologia tão grande como a antiga fórmula do suum cuique tribuere, isto é, dar a cada um o que é seu (o que lhe é devido). Quem define o que é devido?
Artigos:
Santos Pastor, "Modelos para avaliar a legislação em matéria de justiça: impacto nos custos e eficiência"
Matthew Adler, "Análise Custo - Benefício: novas considerações"
Nuno Garoupa, "Limites ideológicos e morais à avaliação económica da legislação"
Frank Stephen, "Consequências Comportamentais de alterações nos sistemas de justiça penal"
Anthony Heyes, "Avaliar leis e regulamentos ambientais: métodos e controvérsias"
Roger Bowles, "Avaliação e Apreciação económica do sector da justiça criminal: análise de alguns perigos comuns"
Anthony Ogus, "Análise do Impacto legislativo: a dimensão política"
Luzius Mader, "Avaliação prospectiva e análise do impacto legislativo: tornam as leis melhores?"
Edgardo Buscaglia, "Lei no Livro vs. Lei em acção: descrição de desafios institucionais da implementação"
Miguel Lopes Romão, "Breves notas sobre a avaliação legislativa"
Este número contribui pois para relançar o debate sobre a "avaliação legislativa", ou seja, análise dos efeitos das leis, como componente importante da good governance e tal como reconhecido pela OCDE, pela UE e também Banco Mundial. Contribui ainda para a superação da ideia que a lei deve ser feita, pensada e redigida por juristas apenas. Sorrio com este novo par de óculos sobre o Direito!
ps: estas técnicas estão condensadas por exemplo nas Impact Assessment Guidelines da UE, de 2005, ensinando a aplicar taxas de desconto, a incorporar a incerteza, a realizar sensitivity analysis, a aplicar (ou não) o precautionary principle...

terça-feira, 6 de março de 2007

Utilidade da multidisciplinariedade (a visao economica)

Diz-se que o Stiglitz costumava contar esta piada:
Dois economistas assistiam a um congresso. No tempo livre decidem passear pelas montanhas proximas. La em cima; deparam-se com um urso que os olha esfomeado. Quando o urso ataca; um deles descalca as meias e tira os sapatos. Pergunta o outro: Para que isso? Nunca conseguiras ser mais rapido do que ele? Responde o outro: Certo, mas conseguirei ser mais rapido do que tu!
(exemplo que usava para explicar porque e que concorrer nao exige ser perfeito, exige ser melhor do que os outros dados certos constrangimentos)

sábado, 3 de março de 2007

Direito e Políticas Públicas

O estudante de Direito não pode limitar-se a "encontrar" a lei ou a "enquadrar" um determinado caso na legislação existence. O estudante de Direito tem de abordar de forma persuasiva um problema jurídico numa perspectiva de políticas públicas, regulação social e enquadramento institucional. Para isso tem de aprender as técnicas apropriadas. O que raramente se ensina nas faculdades de Direito cá do burgo.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Interdisciplinaridade

A palavra “interdisciplinaridade” entrou recentemente no vocabulario da pedagogia juridica, mas o sentido da palavra nao e de modo algum univoco. Ha pelo menos tres sentidos recorrentes, embora muito diferentes:

1) Interdisciplinariedade como analise do direito baseada numa disciplina diferente. Este e o sentido dominante. O caso mais evidente e o da analise economica do direito, uma disciplina que procura subordinar o estudo do direito ao metodo da economia, em especial da micoreconomia. Para muitos praticantes da disciplina, o estudo do direito nao deveria ser mais do que um capitulo do estudo "aplicado" da economia.

2) Interdisciplinariedade como “educacao liberal” na periferia da dogmatica juridica. Esta versao e a unica que encontrou expressao em algumas faculdades de direito portuguesas ate ao momento. O estudo do direito e concebido, de acordo com o modelo tradicional, como estudo dogmatico. O nucleo do curso de direito — o nucleo “serio” — e constituido pelas cadeiras tradicionais (direito das obrigacoes, administrativo, criminal, etc.) ensinadas de acordo com o metodo tradicional (conceitos gerais + institutos centrais + classificacoes e tipologias). As cadeiras de outras disciplinas sao marginais e aparecem como "valculas de escape" que servem para os alunos se libertarem dos aborrecimentos dos estudos juridicos, mas que nao sao para levar muito a serio. Um jurista e um jurista; o resto e floriado.

3) Interdisciplinaridade como estrategia epistemologica. Neste sentido a interdisciplinaridade e colocada ao servico de uma concepcao critica do conhecimento, na linha do pragmatismo, em que as “falsas necessidades” geradas pelas disciplinas sao desestabilizadas no espirito filosofico de que o saber e geral. Em vez de se rejeitar as disciplinas, no entanto, procura-se a pluralidade de metodos, mostrando a parcialidade das varias “ciencias” e mobilizando os recursos intelectuais de uma contra outra. Esta forma de interdisciplinaridade rejeita a separacao entre cadeiras juridicas e cadeiras auxiliares, depositando nos programas das cadeiras mais tradicionais uma pluralidade de metodos.


Interdisciplinaridade no estudo do direito? Sim, mas no terceiro sentido. Como e possivel que um aluno de direito em Portugal possa estudar responsabilidade civil sem compreender a economia do risco e dos seguros? Que sentido faz ensinar a responsabilidade do produtor ou a formacao de contratos sem uma compreensao razoavel de ideias como eficiencia (que nao e o mesmo que eficacia... !!!) ou assimetria de informacao? Ao mesmo tempo, a explicacao economica pode ser "desestabilizada" com elementos de psicologia social, de filosofia do direito e teoria politica normativa. Finalmente, a arrogancia normativa pode ser perturbada pelo estudo da genealogia historica das formas juridicas ou pela teoria social critica, como a semiotica ou o estruturalismo. Tudo isto, naturalmente, suplementado por uma compreensao profunda dos metodos comuns do raciocinio juridico que paradoxalmente sao obscurecidos pelo metodo expositivo dominante no ensino do direito. Muito mais importante do que decorar os "pressupostos" da gestao de negocios e saber raciocinar por analogia e mobilizar com seguranca para o "problema" os argumentos ou "topicos" comuns do pensamento juridico. O direito nao e uma disciplina, mas uma instituicao social fascinantemente complexa que pode ser observada de varios pontos de vista largamente parciais e ocasionalmente "incomensuraveis".

No meu entender, o passo mais urgente e introduzir a analise economica nos programas das disciplinas tradicionais. Trata-se, porem, de um pequeno passo e seria um erro parar por ai. Mas parece-me incrivel que um jurista recem-formado tenha dificuldade em perceber, por exemplo, que a “forma societaria” nao e sobretudo um instrumento para organizar a producao, mas sim para acumular capital, ou mesmo que producao significa combinar e recombinar factores de producao com o objectivo de gerar riqueza, que riqueza pode significar utilidade ou “valor monetario”, etc, etc, etc. As cadeiras introdutorias de economia sao demasiado gerais e marginais para suscitarem o interesse e atencao de jovens licenciandos em direito. O fundamental e ensinar as aplicacoes. Mais do que transformar juristas em economistas aplicados, trata-se de fazer com que compreendam a estrutura economica dos problemas.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Investigação para Quê?

Uma das coisas que mais chama a atenção quando se compara as escolas de direito portuguesas com as norte-americanas é a confrangedora situação orçamental. Enquanto nos Estados Unidos, num campus, a escola de direito está sempre entre as que têm mais recursos, pagam melhores salários, etc., em Portugal, a escola de direito está sempre entre aquelas que mais problemas orçamentais tem, já nem falando de ameaças para fechar as portas porque nem pagar salários pode. Este contraste resulta, em parte, do retorno da investigação. Nos Estados Unidos os resultados económicos da investigação são essencialmente da escola e em menor medida do académico. Reputação e qualidade significa mais fundos para a escola, mais financiamento, melhores salários. Em Portugal, estes resultados são privatizados e trazem muito pouco para as escolas. Quase todos os professores de Direito potenciam a sua investigação nos resultados em termos de pareceres, consultoria jurídica, e nomeações governamentais. Nada disso acontece no mundo anglo-saxónico. Isto tem três consequências importantes. Uma, a cartelização do mercado dos professores de direito por forma a maximizar rendas nos pareceres e nomeações. Dois, a transformação das escolas de direito em plataformas de acesso a outros mercados pelo que as faculdade de direito em Portugal têm muito pouco de centros de investigação (resident faculty, working-papers, etc.) e muito pouca ambição internacional. Três, a inexistência de investigação fundamental digna desse nome.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Sim, 'Método(s)'!

Concordo com a diferenciação e multiplicidade de métodos e cargas horárias propostos. E esse é de facto o caminho que a UCP está já a trilhar. Disciplinas como Teoria Geral do Direito, por exemplo, não se podem seguramente fundar em exclusivo no método do mooting. Para responder aos desafios da mudança é necessário ter os pontos de referência que se apreendem com o estudo dos princípios e das regras e não com os meros exemplos (lembre-se o perigo de as actualizações legislativas se resumirem à constante aprovação de novas leis que substituem as anteriores!). Esta é a face mais positiva do ensino português.
O que me preocupa é a abordagem metodologicamente monolítica que tem caracterizado o ensino do Direito em Portugal, tal como noutros sistemas continentais. Abordagem que encontra fortes resistências à mudança em algumas das características tradicionais da nossa universidade, como, v.g., a elevada carga horária para alunos e para professores, com todas as implicações que isso tem a nível de leccionação, aprendizagem e avaliação, e a preferência por uma postura de obediência intelectual ou passividade.

Ficará para outra oportunidade o tema da delimitação ‘ensino’/‘investigação’.

Economia Anti-Dogmatica

A proposta mais vibrante da Analise Economica do Direito (AED) do ponto de vista do assalto aos dogmas enraizados na consciencia comum dos juristas e a reforma do processo civil. E uma proposta vibrante nao porque seja obvia -- eu discordo em toda a linha do seu conteudo -- mas porque obriga os juristas a pensar sobre as premissas ocultas da profissao. Numa palavra, perturba e "irrita" a sensibilidade dogmatica dos juristas.

Do ponto de vista da AED, e absurdo conceber o processo civil como um instrumento de garantia de "direitos". A compensacao atraves dos tribunais do titular de um direito violado e extraordinariamente cara e nao traz nenhum beneficio social, pois no fim de contas nao se fez mais do que transferir recursos de um lado (o agressor) para outro (a vitima). Um seguro social desempenha essa tarefa de uma forma bem mais economica.

Mas entao para que pode servir a litigancia? De um ponto de vista de AED, so pode ser interessante quando funcione como um instrumento de prevencao. Qualquer agressor racional ingora os danos da sua actividade na esfera de terceiros (externalidades negativas) se nao existir um mecanismo que garanta a internalizacao dos custos. Mas muitas vezes o processo civil e tao caro -- somando as despesas das partes e os custos para o erario publico -- que o impacto da proteccao judicial da legalidade nao justifica o acesso aos tribunais. Isto pode parecer monstruoso mas e uma banalidade economica: num mundo em que garantir "direitos" custa dinheiro, pode ser relativamente eficiente deixar uma categoria de agressores violar sistematicamente os direitos das vitimas. E que so vale a pena, do ponto de vista da eficiencia, mobilizar o processo civil para a tutela dos direitos quando o beneficio social supera os custos.

Para ter uma ideia mais concreta do que e que estamos a falar, vejamos de perto uma categoria de casos comuns que geram questoes de responsabilidade civil: acidentes de automoveis. De acordo com alguma literatura, os tribunais deveriam recusar o "acesso a justica" nestes casos. E que os condutores de automoveis tomam espontaneamente medidas de prevencao porque o perigo de um acidente constitui uma ameaca credivel nao apenas para terceiros mas para o proprio condutor. Por outras palavras, parece mais ou menos claro que os niveis de prevencao, mesmo na ausencia de um sistema judicial operacional, sao razoavelmente elevados. De onde resulta que o beneficio social de pleitar casos de acidentes de automoveis e bem pequeno.

Um sistema eficiente de litigancia poderia ser construido com base no seguinte principio: a vitima so e compensada se conseguir nao apenas provar que o seu direito foi violado mas que o beneficio social de trazer a questao a juizo e maior do que o custo de funcionamento do sistema judicial. Em alguns contextos -- e.g., responsabilidade baseada na culpa -- o sistema pode funcionar bem nesta base; noutros contextos -- e.g. responsabilidade objectiva -- parece improvavel.

Uma coisa e certa: e um excelente antidoto contra o dogmatismo estudar a economia do processo civil. Rapidamente se torna menos obvio do que parecia a celebre banalidade de Castro Mendes: "Para cada direito uma accao". Garanto que para mim, que rejeito o argumento economico, foi o melhor remedio contra a naturalizacao ou banalizacao do que e, ao fim e ao cabo, bastante problematico.

Método(s)

Em meu entender um dos grandes problemas na reequação do ensino do Direito (e demais áreas) em Portugal estará sempre em tentar preservar um certo e indispensável equilíbrio entre especialização e formação geral sólida, garantindo ainda uma certa dose de razoabilidade na carga de trabalho.

Isto é, a Faculdade deve permitir que os alunos respirem, se divirtam e sobretudo se cultivem em muitas outras matérias, em suma, que possam crescer também num mundo que não seja a faculdade. Creio que ter esta preocupação em mente poderá permitir avaliar melhor o que tenho a dizer.

Creio que uma boa forma de escapar à tradição da memória e passividade que nos foi imposta, consistiria em orientar seminários práticos de curta duração. Ou seja, penso que talvez não se justifique que todas as cadeiras durem 6 meses ou 1 ano. Talvez fosse mais eficaz abrir seminários de 5-6 dias (por exemplo) sobre um determinado tema do que ensinar durante 6 meses o mesmo conteúdo. Por exemplo, parece-me que cadeiras como direito do consumo poderiam ser eficazmente substituídas por formações rápidas e intensivas em que os alunos se inscreveriam ad hoc. Concordo com o mooting proposto pela Cláudia para tais seminários, porque me parece ser também a melhor forma de exigir que os participantes se preparem previamente.

Creio que o semestre pode ser dividido de formas diferentes: porque não dar x cadeiras durante Fevereiro e Março e outras x durante os últimos meses do semestre (Abril e Maio)? Permitiria concentrar a aprendizagem de matérias opcionais, de formação lateral mas indispensável ao crescimento intelectual. A avaliação poderia ser feita aquando do fim dessa cadeira. Desta forma com durações e percursos de formação diferentes creio que quer professores, quer alunos poderiam gerir o seu tempo de forma mais racional. Experimentei em Itália, e gostei. Fiz duas cadeiras que duraram o semestre todo e duas que duraram 2 meses. Acima de tudo senti que foi imensamente produtivo.

Em relação à memória vs. capacidade de lidar com todos os meios de resposta, confesso que para mim a questão não é óbvia. Penso que se obterão melhores resultados com um sistema misto. Entendo que deve haver períodos de aprendizagem e sedimentação teórica muito intensivos seguidos então de discussão prolongada. Sob pena dos alunos deixarem de conseguir acompanhar o ritmo. Por isso creio que aulas baseadas em mooting devem ser acompanhadas de aulas mais expositivas (não esqueço Gonçalo, quando o Hespanha te dizia que não apreciava muito a "modernice" da participação nas aulas pelos alunos).

A sua questão final, Cláudia pode ser vista do avesso. Precisamente num mundo de complexa mudança, a falta de estruturas sólidas pode apesar desse método de busca, obstacularizar a aprendizagem futura por falta desse quadro comum e estável de referências. Diga-me uma coisa: se desse todas as aulas dessa forma teria tempo para estudar e investigar? Eu até estou disposto a ser professor o tempo todo, mas já que apresentou esse método, fiquei curioso. Concorda com uma certa especialização entre Professores e Investigadores?

Em Itália frequentei a faculdade de Trento: http://www.jus.unitn.it/FACULTY/guida/home.html. Eles tinham laboratórios aplicativos muito interessantes que funcionavam "junto" de certas cadeiras. Por exemplo: frequentei História do Pensamento Jurídico Moderno e o laboratório (facultativo) incidia sobre a leitura de S. Tomás de Aquino e Maquiavel - na versão e línguas originais. Estes laboratórios valiam 2 créditos e apenas 2 horas por semana (uma obrigatória valia 8) mas estendiam prometedoramente o âmbito da formação dada e permitiam motivar uma outra franja de alunos dando-lhes experiências diferentes.

Termino com duas sugestões:

1) O Programa da Católica de Lisboa pós-Bolonha a começar para o ano é muitíssimo prometedor em termos de conteúdos. Muito foi feito de modernização, ao contrário do programa da Nova, que com nomes muito semelhantes persegue os mesmos objectivos

2) Para aqueles interessados em Filosofia do Direito e também em Filosofia Pé-Socrática, recomendo o livro de Francesco Cavalla, Retorica, processo, verità (CEDAM 2005). Cavalla é o caposcuola de Filosofia de Pádua, expert em metodologia jurídica. Pelo que tenho folheado sobre o tema, esta é mais uma das escolas desconhecidas pelos autores em geral. Provavelmente porque tal como nós se preocupam apenas com Itália e o italiano. Estudei com um discípulo dele, pelo que se precisarem de mais informação, contem comigo.

Metodologia do ensino jurídico: apelo à memória e à passividade

Este ano lectivo a Faculdade de Direito da Universidade Católica pediu-me para leccionar dois cursos em inglês. Optei por recorrer à utilização do ‘método socrático’, na sua versão de ‘mooting competition’, com que contactei em diversas das universidades estrangeiras por que tenho passado.

Durante duas semanas, discutiram-se diariamente nas minhas aulas casos de Direito Internacional e Europeu do Ambiente. Inicialmente houve alguma resistência dos alunos porque o trabalho exigido era significativamente mais do que aquele a que estavam habituados. Mas no final do curso os resultados foram extremamente gratificantes. Aquelas pessoas, algumas das quais ainda no segundo ano da licenciatura, aprenderam efectivamente o que se propôs ensinar-lhes. Desenvolveram o espírito crítico, a capacidade de investigação e, acredito, descobriram que conseguem responder a desafios que inicialmente lhes pareciam inultrapassáveis. O entusiasmo, empenho e qualidade da sua prestação compensaram largamente os muitos dias em que o meu trabalho se resumiu à preparação daquelas aulas.

No final do curso participei num seminário sobre metodologia organizado pela mesma Faculdade e leccionado por um professor da Roger Williams University (EUA) onde o referido método foi recomendado. A receptividade dos presentes foi reduzida, como acredito que seria em qualquer outra universidade portuguesa, nalgumas delas talvez ainda mais do que na UCP. O principal argumento utilizado foi a exigência em termos de trabalho, tanto para os docentes como para os alunos, que tal abordagem implica. Por experiência própria concordo. A exigência é muito superior à do método expositivo tradicional e a carga horária nas universidades portuguesas é significativamente superior àquela que existe nas universidades norte americanas, por exemplo.

Deixo à reflexão o seguinte. Num mundo em mudança acelerada e constante, uma instituição que tem por função ensinar a aprender, como é a universidade, deve apelar à memória e à passividade ou à capacidade de buscar e tratar a informação necessária à resolução dos problemas?

A Ciência Jurídica em Portugal

Somos tantos os que acham que a ciência jurídica não vai bem em Portugal. Este será um espaço de debate. Já não basta um lamento ocasional, mas é importante contribuir para que a reforma do ensino e da investigação do direito em Portugal possa acontecer. Aqui será esse espaço de debate que conta com a participação de professores e doutorandos, isto é, investigadores por excelência que partilham meia dúzia de pontos de vista. Nada de pensamento único, ou coisa que o valha. Nada de só dizer mal mas sim apontar ideias, temas interessantes, artigos recentes, bibliografia relevante, etc. Evidentemente que não faltarão os pontos chave como a necessidade de desmobilizar o sistema feudal de dependências pessoais instalado nas faculades de direito, o ataque à excelência e o predominio da mediocridade, a insensibilidade inter-disciplinar e o embrutecimento metodológico, a veneração da dogmática em detrimento da teoria e do estudo institucional e empirico e a fuga desesperada de qualquer especie de integração no mercado académico internacional. No fundo, pretende-se criar um espaço embrionário de diálogo entre quem tem outro modelo de ensinar e investigar direito.