A proposta mais vibrante da Analise Economica do Direito (AED) do ponto de vista do assalto aos dogmas enraizados na consciencia comum dos juristas e a reforma do processo civil. E uma proposta vibrante nao porque seja obvia -- eu discordo em toda a linha do seu conteudo -- mas porque obriga os juristas a pensar sobre as premissas ocultas da profissao. Numa palavra, perturba e "irrita" a sensibilidade dogmatica dos juristas.
Do ponto de vista da AED, e absurdo conceber o processo civil como um instrumento de garantia de "direitos". A compensacao atraves dos tribunais do titular de um direito violado e extraordinariamente cara e nao traz nenhum beneficio social, pois no fim de contas nao se fez mais do que transferir recursos de um lado (o agressor) para outro (a vitima). Um seguro social desempenha essa tarefa de uma forma bem mais economica.
Mas entao para que pode servir a litigancia? De um ponto de vista de AED, so pode ser interessante quando funcione como um instrumento de prevencao. Qualquer agressor racional ingora os danos da sua actividade na esfera de terceiros (externalidades negativas) se nao existir um mecanismo que garanta a internalizacao dos custos. Mas muitas vezes o processo civil e tao caro -- somando as despesas das partes e os custos para o erario publico -- que o impacto da proteccao judicial da legalidade nao justifica o acesso aos tribunais. Isto pode parecer monstruoso mas e uma banalidade economica: num mundo em que garantir "direitos" custa dinheiro, pode ser relativamente eficiente deixar uma categoria de agressores violar sistematicamente os direitos das vitimas. E que so vale a pena, do ponto de vista da eficiencia, mobilizar o processo civil para a tutela dos direitos quando o beneficio social supera os custos.
Para ter uma ideia mais concreta do que e que estamos a falar, vejamos de perto uma categoria de casos comuns que geram questoes de responsabilidade civil: acidentes de automoveis. De acordo com alguma literatura, os tribunais deveriam recusar o "acesso a justica" nestes casos. E que os condutores de automoveis tomam espontaneamente medidas de prevencao porque o perigo de um acidente constitui uma ameaca credivel nao apenas para terceiros mas para o proprio condutor. Por outras palavras, parece mais ou menos claro que os niveis de prevencao, mesmo na ausencia de um sistema judicial operacional, sao razoavelmente elevados. De onde resulta que o beneficio social de pleitar casos de acidentes de automoveis e bem pequeno.
Um sistema eficiente de litigancia poderia ser construido com base no seguinte principio: a vitima so e compensada se conseguir nao apenas provar que o seu direito foi violado mas que o beneficio social de trazer a questao a juizo e maior do que o custo de funcionamento do sistema judicial. Em alguns contextos -- e.g., responsabilidade baseada na culpa -- o sistema pode funcionar bem nesta base; noutros contextos -- e.g. responsabilidade objectiva -- parece improvavel.
Uma coisa e certa: e um excelente antidoto contra o dogmatismo estudar a economia do processo civil. Rapidamente se torna menos obvio do que parecia a celebre banalidade de Castro Mendes: "Para cada direito uma accao". Garanto que para mim, que rejeito o argumento economico, foi o melhor remedio contra a naturalizacao ou banalizacao do que e, ao fim e ao cabo, bastante problematico.
Do ponto de vista da AED, e absurdo conceber o processo civil como um instrumento de garantia de "direitos". A compensacao atraves dos tribunais do titular de um direito violado e extraordinariamente cara e nao traz nenhum beneficio social, pois no fim de contas nao se fez mais do que transferir recursos de um lado (o agressor) para outro (a vitima). Um seguro social desempenha essa tarefa de uma forma bem mais economica.
Mas entao para que pode servir a litigancia? De um ponto de vista de AED, so pode ser interessante quando funcione como um instrumento de prevencao. Qualquer agressor racional ingora os danos da sua actividade na esfera de terceiros (externalidades negativas) se nao existir um mecanismo que garanta a internalizacao dos custos. Mas muitas vezes o processo civil e tao caro -- somando as despesas das partes e os custos para o erario publico -- que o impacto da proteccao judicial da legalidade nao justifica o acesso aos tribunais. Isto pode parecer monstruoso mas e uma banalidade economica: num mundo em que garantir "direitos" custa dinheiro, pode ser relativamente eficiente deixar uma categoria de agressores violar sistematicamente os direitos das vitimas. E que so vale a pena, do ponto de vista da eficiencia, mobilizar o processo civil para a tutela dos direitos quando o beneficio social supera os custos.
Para ter uma ideia mais concreta do que e que estamos a falar, vejamos de perto uma categoria de casos comuns que geram questoes de responsabilidade civil: acidentes de automoveis. De acordo com alguma literatura, os tribunais deveriam recusar o "acesso a justica" nestes casos. E que os condutores de automoveis tomam espontaneamente medidas de prevencao porque o perigo de um acidente constitui uma ameaca credivel nao apenas para terceiros mas para o proprio condutor. Por outras palavras, parece mais ou menos claro que os niveis de prevencao, mesmo na ausencia de um sistema judicial operacional, sao razoavelmente elevados. De onde resulta que o beneficio social de pleitar casos de acidentes de automoveis e bem pequeno.
Um sistema eficiente de litigancia poderia ser construido com base no seguinte principio: a vitima so e compensada se conseguir nao apenas provar que o seu direito foi violado mas que o beneficio social de trazer a questao a juizo e maior do que o custo de funcionamento do sistema judicial. Em alguns contextos -- e.g., responsabilidade baseada na culpa -- o sistema pode funcionar bem nesta base; noutros contextos -- e.g. responsabilidade objectiva -- parece improvavel.
Uma coisa e certa: e um excelente antidoto contra o dogmatismo estudar a economia do processo civil. Rapidamente se torna menos obvio do que parecia a celebre banalidade de Castro Mendes: "Para cada direito uma accao". Garanto que para mim, que rejeito o argumento economico, foi o melhor remedio contra a naturalizacao ou banalizacao do que e, ao fim e ao cabo, bastante problematico.
8 comentários:
Rui Pinto Duarte acaba de me mandar um e-mail a informar que nao foi Castro Mendes que disse a "banalidade" "para cada direito uma accao". Quando souber quem foi corrigirei o erro. Obrigado RPD!
Se tivesse sido aluno do Prof. Castro Mendes, como eu fui, estou certa que teria muita dificuldade em atribuir-lhe a autoria de quaisquer "banalidades".
E o "autor" dessa suposta "banalidade", meu Caro Gonçalo, é o legislador do Cód. de Proc. Civil (cfr. art.º 2.º - 2) :-)
A resposta remonta ao sistema ingles anterior a introducao da equity ao lado do common law, senao mesmo ao regime romano das actios. O CPCivil nao e "autor" de nada Dra. NC :) E o meu erro nao se refere a citacao, que e de facto de Castro Mendes, mas a autoria originaria da mesma. Antes do seu estimado artigo do CPC Castro Mendes ja havia dito a sua "banalidade". Nao me apenha tao facilmente :)
E nao se preocupe: quem diz banalidades de vez em quando nao e forcosamente banal... mas que a citacao e banalissima, ai isso e que nao ha duvida.
"A resposta remonta ao sistema ingles anterior a introducao da equity ao lado do common law, senao mesmo ao regime romano das actios"
Descupará a franqueza, mas que grande confusão vai na sua cabeça...
Desde logo porque o que está em causa não é uma "citação" mas sim uma regra do Cód. Proc. Civil que - como agora bem refere - já vem do direito romano.
E também não vejo de onde retira a conclusão que eu estimo ou deixo de estimar o artigo.
O mesmo já não se pode dizer do Prof. Castro Mendes, seguramente um dos maiores juristas portugueses do século passado (porventura até de toda a n/ história jurídica) e que tive o previlégio de ter como professor.
Acho que um pouco de humildade não faz mal a ninguém,não lhe parece? ;-)
Confusao nenhuma. Mas adoro a polemica. Quanto a 'falta de humildade' eu chamo-lhe antes reduzir os custos de transaccao. A blogosfera nao e lugar para mais do que cortesias minimas. Continue a disparar -- como eu fiz consigo uns dias atras. O espirito e esse mesmo! E eu concordo que Castro Mendes foi um grande jurista (embora, goste ou nao, a considera-lo apenas pala obra escrita, e um vulto muito menor das letras juridicas portuguesas do que um Manuel de Andrade, Marcello Caetano ou Baptista Machado). Acontece, cara Dra., que as letras juridicas continentais -- relativamente as quais nos somos perifericos -- estao em crise profunda. O meu post e sobre AED. Trata-se de um movimento importatinssimo no estudo do direito que chegara rapidamente a Europa em forca maxima -- por agora so ha uma producao tenue na area -- e os juristas portugueses, em regra, nao estao preparados para tomar uma posicao inteligente no debate. Eu discordo de muita coisa proposta pela AED mas apenas porque entende bem em que e que consiste.
Quanto ao mais, eu tive uma educacao juridica dogamtica como a sua. O meu interesse interdisciplinar e exterior a minha educacao juridica, apesar da Nova, onde estudei, ser ligeiramente menos embrutecedora metologica e epistemologicamente do que a Classica. E -- veja la que pouca vergonha! -- gosto imenso de discutir dogmatica juridica. Estou neste momento a estudar cuidadosamente os 'grandes' da dogmatica juridica moderna: Savigny, Jhering, etc. Simplesmente, parece-me claro que o modelo continental de estudo e compreensao do direito esta em franca crise.
Ja agora. O meu diagnostico da 'crise' relaciona-se com o que eu considero serem as tres caracteristicas centrais da dogmatica juridica continental:
1) Formalismo. Apesar de ter corrido muita tinta contra a 'jurisprudencia dos conceitos', continua a ser esse o paradigma epistemico central no raciocinio juridico continental. O 'metodo da inversao' e comum. Alguns exemplos: a distincao entre direitos reais e direitos de credito, a dogmatica do objecto do processo criminal, a 'teoria do erro' no negocio juridico e a classificacao de factos juridicos em termos de conceitos classificatorios.
2) Dogmatismo. O raciocinio juridico tem consequencias 'praticas' singificativas, mas os juristas raciocinam como se os seus argumentos nao envolvessem consideracoes de facto analiticamente problematicas. Aquilo a que os americanos chamam "policy argument" nao existe, de uma forma organizada, na cultura juridica continental. Por exemplo, a classificacao das normas como imperativas ou supletivas deveria envolver juizos sociais e economicos que o pensamento juridico dominante ignora.
3) Fetichismo. A veneracao de formas fixas ou falsa 'necessidade'. O melhor exemplo e a divisao em quatro partes (mais a 'parte geral') conceptualmente cerradas do direito civil. Li fez pouco tempo o segundo capitulo do Sistema de Direito Moderno, onde Savigny desenvolve uma justificacao para a arrumacao tetrapartida do direito civil. Nao tem a menor actualidade... mas para os juristas e sacrossanto.
Estou longe de ser um admirador incondicional do modelo anglo-americano. Nada disso. A tradicao juridica continental e extraordinariamente sofisticada. Mas quer se goste quer nao, a dogmatica juridica esta em franca crise. E o melhor exemplo disso e que os juristas, na sua grande maioria, estao num limbo entre a compreensao dos fundamentos filosoficos do metodo que usam diariamente e a utilizacao de "policy argument" e analise cuidadosa, com base interdisciplinar, das consequencias dos seua raciocionios. Em tres palavras: formalismo, dogmatismo e fetichismo!
Gonçalo, folgo em ver que não perdeste nada do teu fulgor. Como vai Harvard?
Sinceramente, acho que você não é um profundo conhecedor do movimento direito e economia, logo antes de sair escrever algo, o qual alguem vai dispender tempo lendo, escreva algo que ao menos provoque, promova uma pesquisa, não uma opinão pessoal inválida, e infundada.
Grato
Enviar um comentário