quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Método(s)

Em meu entender um dos grandes problemas na reequação do ensino do Direito (e demais áreas) em Portugal estará sempre em tentar preservar um certo e indispensável equilíbrio entre especialização e formação geral sólida, garantindo ainda uma certa dose de razoabilidade na carga de trabalho.

Isto é, a Faculdade deve permitir que os alunos respirem, se divirtam e sobretudo se cultivem em muitas outras matérias, em suma, que possam crescer também num mundo que não seja a faculdade. Creio que ter esta preocupação em mente poderá permitir avaliar melhor o que tenho a dizer.

Creio que uma boa forma de escapar à tradição da memória e passividade que nos foi imposta, consistiria em orientar seminários práticos de curta duração. Ou seja, penso que talvez não se justifique que todas as cadeiras durem 6 meses ou 1 ano. Talvez fosse mais eficaz abrir seminários de 5-6 dias (por exemplo) sobre um determinado tema do que ensinar durante 6 meses o mesmo conteúdo. Por exemplo, parece-me que cadeiras como direito do consumo poderiam ser eficazmente substituídas por formações rápidas e intensivas em que os alunos se inscreveriam ad hoc. Concordo com o mooting proposto pela Cláudia para tais seminários, porque me parece ser também a melhor forma de exigir que os participantes se preparem previamente.

Creio que o semestre pode ser dividido de formas diferentes: porque não dar x cadeiras durante Fevereiro e Março e outras x durante os últimos meses do semestre (Abril e Maio)? Permitiria concentrar a aprendizagem de matérias opcionais, de formação lateral mas indispensável ao crescimento intelectual. A avaliação poderia ser feita aquando do fim dessa cadeira. Desta forma com durações e percursos de formação diferentes creio que quer professores, quer alunos poderiam gerir o seu tempo de forma mais racional. Experimentei em Itália, e gostei. Fiz duas cadeiras que duraram o semestre todo e duas que duraram 2 meses. Acima de tudo senti que foi imensamente produtivo.

Em relação à memória vs. capacidade de lidar com todos os meios de resposta, confesso que para mim a questão não é óbvia. Penso que se obterão melhores resultados com um sistema misto. Entendo que deve haver períodos de aprendizagem e sedimentação teórica muito intensivos seguidos então de discussão prolongada. Sob pena dos alunos deixarem de conseguir acompanhar o ritmo. Por isso creio que aulas baseadas em mooting devem ser acompanhadas de aulas mais expositivas (não esqueço Gonçalo, quando o Hespanha te dizia que não apreciava muito a "modernice" da participação nas aulas pelos alunos).

A sua questão final, Cláudia pode ser vista do avesso. Precisamente num mundo de complexa mudança, a falta de estruturas sólidas pode apesar desse método de busca, obstacularizar a aprendizagem futura por falta desse quadro comum e estável de referências. Diga-me uma coisa: se desse todas as aulas dessa forma teria tempo para estudar e investigar? Eu até estou disposto a ser professor o tempo todo, mas já que apresentou esse método, fiquei curioso. Concorda com uma certa especialização entre Professores e Investigadores?

Em Itália frequentei a faculdade de Trento: http://www.jus.unitn.it/FACULTY/guida/home.html. Eles tinham laboratórios aplicativos muito interessantes que funcionavam "junto" de certas cadeiras. Por exemplo: frequentei História do Pensamento Jurídico Moderno e o laboratório (facultativo) incidia sobre a leitura de S. Tomás de Aquino e Maquiavel - na versão e línguas originais. Estes laboratórios valiam 2 créditos e apenas 2 horas por semana (uma obrigatória valia 8) mas estendiam prometedoramente o âmbito da formação dada e permitiam motivar uma outra franja de alunos dando-lhes experiências diferentes.

Termino com duas sugestões:

1) O Programa da Católica de Lisboa pós-Bolonha a começar para o ano é muitíssimo prometedor em termos de conteúdos. Muito foi feito de modernização, ao contrário do programa da Nova, que com nomes muito semelhantes persegue os mesmos objectivos

2) Para aqueles interessados em Filosofia do Direito e também em Filosofia Pé-Socrática, recomendo o livro de Francesco Cavalla, Retorica, processo, verità (CEDAM 2005). Cavalla é o caposcuola de Filosofia de Pádua, expert em metodologia jurídica. Pelo que tenho folheado sobre o tema, esta é mais uma das escolas desconhecidas pelos autores em geral. Provavelmente porque tal como nós se preocupam apenas com Itália e o italiano. Estudei com um discípulo dele, pelo que se precisarem de mais informação, contem comigo.

3 comentários:

Goncalo disse...

Os meus amigos italianos aqui em Harvard dizem muito mal do sistema italiano. Bem sei que lhes esta na massa do sangue. Mas duvido que Italia sirva de modelo. Em termos metodologicos os italianos -- extraordinarios juristas, diga-se -- estao na linha do formalismo alemao, se nao sao mesmo ainda mais formalistas. Tem dias li os primeiros dois capitulos do primeiro volume to Sistema de Direito Romano Moderno do Savigny. Trata-se de um documento dificilimo mas brilhante. O que impressiona e a reduzida progrssao metodologica no direito continental desde 1840, a data da publicacao do livro...

Guilherme disse...

Como podes reparar referi apenas os aspectos bons. Por outro lado, como te disse antes, fiquei com a sensação que os alunos italianos não aproveitaram nada do sistema. Pelo que observei tal deveu-se essencialmente ao facto deles estarem habituados a decorar e "cuspir" no exame um livro. Aliás a bibliografia de uma cadeira era muito pobre porque o exame incide em regra sobre um livro apenas que tem que ser sabido de trás para a frente, palavra por palavra.

Esta escola que citei tenta fazer precisamente um crítica cerrada ao formalismo recuperando a "dispositio" e "inventio" de Cícero que conjuntamente com a dialética permitem construir uma solução verdadeira "contextualmente". É uma escola de filosofia que parte do processo judicial, lugar de aparecimento do "logos" para a mesma. Está associada a uma forte crítica à legitimidade dos juizes, defendendo que estes não devem poder decidir com argumentos não invocados pelas partes (confirmado pelo Supremo italiano em 2002). O processo seria um debate argumentativo.

Goncalo disse...

Interessante. O que referes e aquilo a que eu considero a versao continental dos critical legal studies. E uma mistura de Duncan Kennedy com Aristoteles e Chaim Perelman. O produto final e obviamente muito diferente dos cls americanos, especialmente porque o foco Europeu e mais metodologico do que de teoria social critica.