segunda-feira, 23 de abril de 2007

"Loading my guns"

Gonçalo:

Devo dizer que rezava para que fosses tu a responder ao meu post. Na realidade verificou-se o que temia. A boca secou, uma onda de suor frio perpassou-me as costas. Sinto-me o Rei Leónidas e os seus bravos 300 contra o malvado Xerxes.
Basicamente acho que tens razão em quase tudo! Sei-o! Já o sabia :)

Porque o que tentei transmitir é que valorizo sempre o pensamento independente, que sim, pode impedir que saiamos lá para fora (ponto1)

Porque o que tentei transmitir é que apesar das vantagens do critério "publicações", continuo a acreditar na síntese "Biblioclasmo". Julgo que o conhecimento se deve valorizar por si, aliás como toda a vida, não em função de rankings que "enjoam", que como o mundo adulto retira a piada de se viver inconscientemente (piedade!!).

Porque o que tentei transmitir não tem reflexo visível, mas tem por nome cultura, que nem seque sei definir mas sinto que me corre nas veias.

Porque o que tentei transmitir é que muitos trabalhos na língua inglesa que tenho lido recentemente medem o mundo pelo que se escreve em inglês. Sobretudo o que me pisa a alma e me faz sorrir é o facto de se achar que não pode haver surpresas neste velho mundo inquinado europeu. Por exemplo uma delas é aquela escola de Filosofia do Direito de Pádua de que falámos já muito atrás. Como se pode dizer que não se inova e não se pensa se não se conhece? Quanto ao restante ponto tens toda a razão. Lembro-me de como os nossos professores se congratulavam por terem incluído um manual inglês na bibliografia...

O absurdo da minha discussão com o Richard não posso comentar. Conheço mal as referências que usaste à excepção do Holmes, que também não conheço bem.

Porque o que tentei transmitir foi precisamente como fazer comentários como "os europeus não percebem L&E, CLS e Direitos"? Não é que não tenhas razão, mas será que precisamente pela falta desses rótulos sonantes não te estão a escapar movimentos pouco visíveis? Até porque apesar de não gostar do Habermas sempre se tem escrito alguma coisa sobre ele...Será que o que discutimos não tem a ver com o facto da cultura americana jurídica ditar as grandes escolas e os europeus um pouco como a arte contemporânea se dividirem em milhares de facções e nenhuma ao mesmo tempo?

Porque o que tentei transmitir é que os rankings e o inglês não capturam o mundo e a cultura implícita neste argumento julgo só os europeus orgulhosos a percebem na totalidade.

Porque o que tentei transmitir reside no facto de: e se alguém leu Sartre e aplicou ao mundo jurídico e o ensinou nas aulas e não o escreveu, qual o problema?

Porque o que tentei demonstrar é que o "espírito sexy" é demasiado show e pouco conteúdo, de outra forma demasiado do nosso tempo, aliás em Portugal a Superbock passou a uma imagem mais sexy com o Pires de Lima.

Porque finalmente o que tentei demonstrar e percebeste (teria a certeza que o perceberias - tantos mimos) é que provincianismo não, mas estrangeirado também não. As críticas não eram objectivas, mas subjectivas, muito mais ao espírito que ressoa do mundo da investigação "americano" do que às suas instituições concretas.

Portanto o alvo não está à superfície.




1 comentário:

Goncalo disse...

Meu Caro:

Infelizmente concordo com tudo. (Gostaria que a discussao se tornasse verdadeiramente brutal, mas paciencia!)

Nota, no entanto, que em pouco falei de "escolas" e muito menos me referi a americanos contra europeus. Falei de "pensamento juridico", que neste contexto significa um conjunto de metodos, signos e "grmaticas" articuladas num discurso ou consciencia social partilhada pelos juristas. O "pensamento juridico", neste sentido, e um dos grandes polos de accao politica e social no mundo ociedental desde Ulpiano, Gaio, etc. e passando pelos glosadores e post-glosadores, etc. Vale a pena levar o direito a serio porque, literalmente, dele tem dependido, em parte pelo menos, a nossa vida e a nossa morte. Alem do mais, temos de distinguir pensamento juridico, teoria juridica e filosofia do direito. A distincao aqui e analago a que separa a "arte" (pensamento/discurso/consciencia juridica) da teoria da arte (teoria do direito) da Estetica filosofica (filosofia do direito).

Ha muito mais "escolas" de pensamento filosofico originais na europa do que nos EUA. O unico filosofo do direito americano de renome -- se esquecermos o Fuller, que como filosofo era "vou aqui e ja venho" -- e o Dworkin. O realismo juridico foi um movimento ao nivel da consciencia juridica operado por juristas que pensavam a um nivel de abstraccao muito menos abstracto que filosofos do direito. O Dworkin enquanto teorico do direito (ex: "The Moral reading of the Constitution", e nao "The Model of Rules", a AED e os CLS sao teorias do direito e tambem movimentos no interior do discurso mundano dos juristas. Nao sao filosofias.

na Europa tens os filosofos -- eternamente discutindo o tema da validade juridica, etc. -- e os juristas. Nao ha teoria, nem movimentos no interior do discurso. Vivemos numa situacao pos-classica de desintegracao sem nenhuma orientacao. Por isso mesmo -- NOTA BEM -- estamos vulneraveis a "captura" facil. Nesse sentido, julgo que as nossas preocupacoes se encontram.

Adoro a "subjectividade".

Abr,
G.